(Foto: Agência Brasil)
Ângela Pinheiro
Professora Associada da UFC; Pós-Doutora em Avaliação de Políticas Públicas; integrante do NUCEPEC/UFC e da AOCA. Contato: aocacovid19@gmail.com. Instagram: @aoca.ce
11 de março de 2025. Exatos cinco anos do início da Pandemia da Covid-19, e dos impactos maléficos que dela advieram: um país à deriva, a nos faltar decisões baseadas na ciência; e por todas as inações, ações negacionistas, e com traços inequívocos de necropolítica que vivenciamos como nação. Tudo isso resultando em mais de 710 mil óbitos computados, além de subnotificações; em mortes evitáveis, que representaram mais da metade dessa estatística; em estado de luto, incerteza e angústia que nos cobriram – e ainda nos cobrem, feito manto nefasto em todo o País; resultando, ademais, em casos de Covid longa; de sequelas físicas, emocionais e materiais a perder de vista.
Um destaque: a grave, delicada e complexa condição de orfandade que afetou e continua a afetar em torno de duas centenas de milhares (não devidamente mapeados até hoje…) de crianças e adolescentes no Brasil, que tiveram rompido o vínculo emocional e material – talvez mais significativo de sua vida, com a morte do pai e/ou da mãe, do responsável ou de seu cuidador principal. Perguntas que permanecem sem respostas: quem são; quantos são; onde estão e como estão vivendo. Ainda sobre a orfandade, vivemos esdrúxula situação: de um lado, vasto conjunto de valores humanitários e de normativas nacionais e internacionais, que atribuem às crianças e adolescentes o status de prioridade absoluta, condição especial de pessoas em desenvolvimento e sujeitos de direitos; de outro, baseada em elementos que dão sustentação ao assistencialismo em nosso pensamento social e na estrutura estatal, a vergonhosa ausência (ou precariedade, em alguns casos) de plano de atendimento condizente com a garantia do cuidado e da proteção integral também a todas as crianças e adolescentes em orfandade.
É inaceitável a constatação de elevação de números de crianças e adolescentes em situação de rua, de exploração sexual, de trabalho infantil, de acolhimento institucional (são irrisórios os números de Acolhimento Familiar no Estado), de internações de crianças pequenas por insegurança alimentar grave – estudo do UNICEF aponta que 83% das crianças e adolescentes no Ceará enfrentam algum tipo de insegurança alimentar. Tudo isso mantém estreita relação com desproteção e descuido, incluindo, ademais, falta de representatividade legal na Orfandade.
Consideramos o luto infantil uma das maiores dificuldades que uma criança – e um adolescente – enfrentam, em seu psiquismo e estar no mundo. Luto não devidamente cuidado revela-se mais e mais grave, delicado e complexo. São, assim, avassaladores os impactos, para crianças e adolescentes em Orfandade em seu mundo emocional, familiar, material e social.
No Ceará, o compromisso pelo Executivo Estadual, junto ao Consórcio Nordeste, de efetivar, ainda em 2021, o Ceará Acolhe, só começou a tomar forma com a aprovação da Lei em 30 de outubro de 2024; e ainda assim, foram mais de 120 dias para a assinatura pelo Governador do Decreto em 06 de março de 2025. É preciso que seu conteúdo seja implementado de imediato, mesmo sabendo que o intervalo de cinco anos, na vida de crianças e adolescentes, é imenso….
Temos construído, no Ceará, desde julho de 2021, a Articulação em Apoio à Orfandade de Crianças e Adolescentes por Covid-19 (AOCA), pioneira no gênero no País. Como movimento social contemporâneo, temos congregado entidades, coletivos e pessoas físicas, em elevada quantidade e diversidade de campos de atuação, saberes e territórios. Por todo esse período, temos buscado, fundamentalmente, reivindicar, junto aos poderes públicos, que assumam suas responsabilidades com esses sujeitos sociais. É nossa intenção dar continuidade às incidências técnicas e políticas, até que o plano de atendimento assuma substantiva configuração.
É preciso respeito às garantias e proteções previstas em lei para crianças e adolescentes no Brasil, no Ceará e em seus municípios. É preciso senso de urgência, de governança em função das demandas das maiorias, é preciso senso de humanidade. Cinco anos de orfandade não são cinco dias para essas crianças e adolescentes: tudo para antes de anteontem.