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DEBATES DA ADUFC – “Os corpos que atravessam a negação da estrutura conservadora não passam despercebidos”, diz Profª. Luma Andrade

Com o tema “Gênero, neoconservadorismo e democracia”, a ADUFC realizou, na última quarta-feira (22), o quinto debate do ciclo de palestras Democracia e Emancipação. O encontro ocorreu na sede do Sindicato no Cariri, em Juazeiro do Norte, com as professoras Gema Esmeraldo (UFC)Luma Andrade (UNILAB) e Zuleide Queiroz (URCA). As pesquisadoras debateram o enfrentamento às estruturas tradicionais, nas quais a própria universidade está incluída, que negam a diversidade de corpos e existências. O debate foi mediado pela Profª. Camila Prado, do curso de Filosofia da Universidade Federal do Cariri (UFCA). 

“Isso tudo pode passar despercebido por quem está dentro das normas tradicionais e conservadoras, mas os corpos que atravessam a negação da estrutura conservadora não passam despercebidos. A gente consegue perceber nos gestos, nas ações, nos olhares o que é ter negada toda a estrutura do debate democrático e que nega sua estrutura de gênero. Uma estrutura que coloca como pilar a negação da existência”, destacou a Profª. Luma Andrade, que acumula pioneirismos em sua trajetória: primeira travesti doutora do Brasil, professora universitária e agora diretora de unidade acadêmica – do Instituto de Humanidades da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).

Percorrer esse caminho, entretanto, passa até hoje por enfrentamentos que atravessam a vida de Luma Andrade. “Ao assumir o cargo de diretora do Instituto de Humanidades, sofri represálias, mesmo sendo eleita pelo voto democrático dos pares, da comunidade. Essas represálias vêm no contexto de um neoconservadorismo que se empodera das estruturas do Estado para reproduzir sua forma de pensar”, avalia, lembrando da importância de espaços de debates e de aliados no ambiente acadêmico. “Eu senti esse apoio da ADUFC dentro da minha luta, dentro da resistência de uma travesti que está afrontando as normas dentro de uma universidade”, ressaltou.

A Profª. Zuleide Queiroz reforçou a importância de outras narrativas na pesquisa acadêmica que pautem a sociedade e diversifiquem o debate. “A gente vem agora, a partir das nossas ancestralidades, encontrar outras histórias”, sinalizou. Ela lembrou que as vozes de mulheres negras, mesmo silenciadas, ecoam desde sempre. Como exemplo, citou Sojourner Truth, uma abolicionista afro-americana e ativista dos direitos das mulheres: “Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher?”, questionou Sojourner no histórico discurso “E não sou uma mulher?”, ainda no século XIX. 

Dominação colonial perpassou militarismo, monarquia e cristianização

Já a Profª. Gema Esmeraldo, docente aposentada na Universidade Federal do Ceará (UFC), centrou a sua fala numa interpretação da carta escrita por Pero Vaz de Caminha, em 1500, na chegada das caravanas de portugueses ao Brasil. A docente atualizou o olhar sobre o documento histórico, relacionando gênero, colonialidade e conservadorismo, tudo isso perpassando o diálogo sobre democracia. “No primeiro contato, eles avistam homens e já percebem a existência de uma humanidade dentro desse espaço nessa terra, nessa praia. Eles começam a caracterizar essas pessoas: eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhe cobrisse as suas vergonhas. Isso já é um julgamento da cor e do comportamento dessas pessoas”, disse. “Eles falam de corpos vermelhos, mas principalmente pardos. A questão racial já se inscreve naquele momento”, acrescentou.

Para Gema Esmeraldo, a dominação e a superioridade enraizada nos colonizadores era legitimada por três instituições: militares, monárquicas e religiosas. Nesse sentido, a subjugação dos povos originários foi viabilizada, sobretudo, pelo moralismo judaico-cristão. “A leitura dessa carta é uma leitura que tem um peso moralista, da religiosidade”, apontou. Esse processo de dominação, complementou a pesquisadora, ocorreu através da “cristianização dessa população, transformar esse povo como acreditando num deus e vestir essa população”.

Repercutindo a análise sobre a monarquia, Luma Andrade comparou o contexto atual das estruturas hierárquicas da universidade com o passado colonial brasileiro. “Essa carta nos faz refletir sobre o período em que tínhamos o poder absolutista. Esse poder do rei, que inclusive nós encontramos na REItoria, através dos REItores e das REItoras. Por isso, é uma instituição medieval que ostenta e delibera essas formas de poder”, opinou. 

Zuleide Queiroz também disse ficar preocupada com o fato de o texto ainda ser usado para estudo dentro das escolas. “Qual o sentido de uma escola de ensino médio resgatar essa carta para discutir? Pode ser feita para ver a concretude de que existe uma supremacia branca ou fazer essa discussão que a Profª. Gema fez”, destacou. “Nós estamos na disputa dessas narrativas. E essas pessoas que chegaram até aqui, os brancos, já estavam queimando bruxas. E esse fenômeno também ocorreu na América Lartina (…). Mesmo nos matando como bruxas, em qualquer lugar do mundo, nós estamos aqui”, salientou.

O ciclo de debates da ADUFC teve início no dia 9/2, com palestra dos filósofos e professores Vladimir Safatle (USP) e Custódio Almeida (UFC). Também já recebeu, no dia 15/2, Antônio Cruz (UFPel), Zuleide Queiroz (ANDES-SN/URCA) e Nilson Cardoso (UECE). Os convidados do dia 2 de março foram Virgínia Fontes (UFF) e Fábio Sobral (UFC). No dia 14/3, a ADUFC pautou política e militarismo, com Rodrigo Lentz (UnB), Ana Vládia Holanda (Fórum Popular de Segurança Pública) e Alessandra Felix (Frente Estadual pelo Desencarceramento). O debate de encerramento ocorrerá no dia 4 de abril, no Campus de Auroras (UNILAB), em Redenção, sobre educação decolonial, a ser conduzida pelas professoras Inês Escobar (CCA/UFC), Matilde Ribeiro (UNILAB) e Itacir Marques (UNILAB). Todos os eventos estão sendo transmitidos pelo canal da ADUFC no YouTube.

Assista a playlist completa:

https://youtube.com/watch?v=videoseries%3Flist%3DPLTSxCST5_akTpSG4uNZBji2mNB1C2vIHB

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