Celebrar o dia 20 de novembro? Ou refletir sobre este dia? Sim, refletir é o caminho mais viável sobre o que este dia significa para a população negra brasileira. Neste ano precisamos pensar sobre a data por duas razões básicas e contrárias em si mesmas.
Primeiro, na esfera nacional, temos um governo negacionista em relação a políticas sociais e raciais que há muito tempo já foram entendidas como necessárias e urgentes. Um governo que foca o retrocesso e nega a necessidade de continuar os avanços de reparação de populações sócio e historicamente marginalizadas, que busca atacar as políticas públicas afirmativas. Por outro lado e em sentido contrário, mesmo sob os ataques do governo, vemos avanços das lutas sociais. A população negra ocupa e transforma lugares dos quais esteve excluída. Esses avanços só são possíveis em razão das políticas afirmativas que, por sua vez, são frutos de muita luta, em que gerações de movimentos sociais negros vêm colocando a urgência da garantia de direitos negados. Esse enfrentamento se concretizou, por exemplo, nas leis 10.639/2003, 11.645/2008, 12.288/2010, 12.711/2012 e 12.990/2014, que versam sobre a necessidade da entrada e permanência dos corpos e epistemologias negras nas universidades e das cotas étnico-raciais nos concursos públicos.
Mas esses avanços, frutos da luta, não são motivo para acalmar corações e desejos por mudanças, isso porque no Brasil o pós-abolição não trouxe nenhum amparo aos povos negros. Assim, as atuais discussões sobre reparações históricas precisam estar calcadas na formulação de novas políticas públicas, de ações concretas e em diálogos com os movimentos negros e quilombolas para que efetivamente transformem as vidas das e dos cidadãos negros, maioria neste país.
O racismo persiste, a sociedade segrega e nega direitos à população negra, não há condições sociais, nem garantias econômicas, políticas e educacionais; direitos básicos são suplantados; as liberdades, limitadas. Os lugares políticos, os espaços de representações sociais e de relevância econômica continuam expressivamente negados aos povos negros. A população negra segue invisibilizada. No caso do Ceará, em 2018 a população negra (preta e parda) representava 71% do total. Onde encontramos este 71%? Nos lugares de representação simbólica e de representação de poder social não se encontra esse percentual. Lugares da elite branca permanecem para as e os integrantes da elite branca (descendentes de colonizadores, senhores de sujeitos escravizados), que os toma simbolicamente como pertencentes a ela.
Deve restar à população negra os escombros da história e a negação da própria existência? Deve restar a esse grupo social os cárceres, seus nomes nas lápides e as escritas de epitáfios? Têm melanina os corpos deitados na necrópole, quando não ocultados pela violência do Estado genocida e violento. O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) nos mostra onde encontramos a população negra, em sua maioria. O Atlas da Violência (2019 e 2020) revela os números alarmantes de feminicídios e homicídios da população negra (pretos e pardos) no país.
Todos estes dados mostram que a morte violenta entre a população negra é sempre maior que a população não negra. Observamos que o fator desigualdade não é apenas de cunho social, como se afirma, mas uma lógica racial. A condição do “Ser negra/o” determina a vida e a liberdade. Tudo isso revela que não podemos baixar a guarda, pois muito ainda há que se avançar no enfrentamento do racismo no Brasil. O racismo ainda se perpetua nos seus mais variados formatos, interpessoal, institucional, estrutural e só quando realmente compreendemos este fenômeno é que conseguimos ouvir direito o que dizem integrantes dos movimentos negros brasileiros: “faremos Palmares de novo! Zumbi vive!”.
Ontem, João Alberto Silveira Freitas, homem negro de 40 anos, foi espancado brutalmente até a morte em uma grande rede de supermercados deste país por dois homens brancos, em Porto Alegre. Vídeos do ato circulam na internet, entre objetificação, naturalização e revoltas. O que este evento nos informa sobre o projeto de sociedade hegemônico e em marcha? As instituições públicas que você conhece, se serve ou que representa, o que elas têm feito para desnaturalizar as inúmeras formas de matar ou de deixar morrer os corpos negros? E você, o que você faz?
No dia consciência negra reiteramos a necessidade da luta antirracista em ampla rede de atuação, convidando a sociedade brasileira a refletir sobre a permanente disputa por humanização dos corpos negros e os ecos ensurdecedores da busca por liberdade e cidadania.
Fortaleza, 20 de novembro de 2020
Grupo de Trabalho de Políticas de Classe e Étnico-Raciais
Diretoria da ADUFC-Sindicato (Biênio 2019-2021)