Lúcia Vanda R. Dias
Patrícia Pereira C. da Costa
Suyanne Maria de O. Ribeiro
Diego F. Rodrigues
Joaquim Araújo
(Assistentes Pedagógicos do Centro Cultural do Grande Bom Jardim)
Este texto faz parte do documento “Histórias de Vida em Tempos de Pandemia”, fruto de uma série de pesquisas e escutas realizadas pelos Assistentes Pedagógicos do Centro Cultural do Grande Bom Jardim (CCBJ), tendo como público alvo os alunos(amigos) e alunas(amigas) dos cursos desse aparelho cultural, durante os meses de março e abril de 2020, período inicial do isolamento social decretado pelas instâncias governamentais do Estado do Ceará, como medidas de combate a disseminação da Covid 19.
As escutas foram feitas através de espaços virtuais de diálogo, por telefonemas e até mesmo por meio de conversa individual em aplicativos de mensagens do celular. É bom ressaltar que o CCBJ, apesar do contexto de pandemia, resolveu continuar algumas de suas atividades, estabelecendo o “ensino remoto emergencial” com encontros online como alternativa para manter os vínculos com seus alunos(amigos), em um primeiro momento acompanhando parcialmente suas trajetórias em situação tão delicada como a que vivenciamos hoje; e em um segundo momento para garantir a continuidade de seus cursos, sem prejuízo para os que estão matriculados.
Em sua maioria, as pessoas que frequentam, ocupam e movimentam o CCBJ vivem em condições de vulnerabilidade social. Grande parte desse contingente são jovens, cujas vidas se encontram fragilizadas nas áreas econômica, familiar e emocional, entre outras. Para esses (as) jovens, existem desafios a vencer, independente do Covid-19. Adversidades que não desmerecem a gravidade do problema de saúde que assola o Mundo. Estas dificuldades não competem com a pandemia, mas trazem agravantes para a situação. Nesse contexto, algumas narrativas de vida trazem para o foco das reflexões de quem por ventura acessá-las, trechos da realidade não vista, embora anunciada diversas vezes; recortes de histórias que anunciam problemáticas habituais, para as quais os olhos da sociedade muitas vezes se fecham; fragmentos de vivências de superação e reinvenção das formas de viver em tempos menos fáceis.
Dessa forma, as narrativas dos (as) alunos(amigos), alunas(amigas) do CCBJ, que aqui identificamos com pseudônimos, anunciaram na primeira semana de isolamento social a necessidade de acomodação na nova situação: “Estou bem, ainda sigo me adaptando nesse processo”. (Cravo); seguida de perto pela preocupação com a sobrevivência:
“Nos últimos dias tive dificuldades em resolver alguns problemas como as dívidas mensais; pois tinha um mês programado com trabalhos, mas muitos foram adiados e alguns cancelados”. (Cravo).
Neste quesito, fez-se necessário algumas vezes estabelecer uma rede de cooperação com os familiares que se encontravam em situação mais delicada ainda, como vemos na fala de Salsa: “Como sou a única com renda fixa, tá sendo bem difícil, já que a grana tá sendo dividida entre 4 famílias. Trata-se do pão compartilhado!” Essa sobrecarga acabou acarretando “uma mudança drástica e complicada que nos faz selecionar o que pagar ou não pra se manter”. (Salsa). Isso porque o isolamento social veio trazendo consigo uma crise na economia, ocasionada pelo fechamento provisório de instituições que dinamizam o setor financeiro, afetando principalmente os trabalhadores autônomos. É certo, “o trabalho/dinheiro não é mais importante que saúde, mas a realidade é cruel…” (Cravo). Mas sobreviver é preciso.
A convivência foi outro tema que surgiu nas falas de alguns dos (as) alunos (as) como fator que tem pesado nesse fluxo de tentar viver, da melhor maneira possível, esse período de pandemia. A necessidade de isolamento social veio limitar a vida às paredes que nos abrigam, ao convívio mais diário e próximo com os que partilham conosco a existência, fato que tem atingindo algumas pessoas: “Isso tá me afetando, eu sempre fui muito independente” , pois a “ relação com minha família não é de tanta proximidade”. (Zouk).
Na periferia, é comum alguns jovens terem crescido sob os cuidados dos avós, tios ou tias, irmãs ou irmãos, porque os pais tinham que trabalhar para garantir o sustento, ou pela falta de responsabilidade para assumir a paternidade ou maternidade. Em regiões periféricas, é cada vez mais comum a mulher ocupar o papel de chefe da família, tendo que prover os que estão sob sua guarda, sozinhas, abandonadas que foram pelos seus companheiros, tornando mais dificultosa a tarefa de cuidar e de educar seus filhos. Por outro lado, a falta de convivência com parentes também tem gerado apreensão e agastamento, como vemos nas palavras de Reggae: “Meu quadro é preocupante e de indignação. Tenho tido perda de contato com a minha mãe, e isso tem me afetado muito”. Deixar de ver parentes e amigos, também trouxe prejuízos para produtividade: “Não consigo produzir muito em casa e isso tem me gerado uma grande ansiedade”.
Para além da proximidade ou de sua falta, outros dramas de convivência se desenvolvem entre quatro paredes, como vemos na fala de Azaléa: “Estou convivendo com um ser insuportável e machista”. Esse trecho de depoimento deixa claro que ainda há muito para se fazer, em relação a igualdade de direitos entre os gêneros; os desafios não são poucos, mas é uma missão a ser abraçada e concluída por todas as comunidades empenhadas na construção de uma sociedade igualitária. Vale ressaltar que as estatísticas apontam o aumento considerável de violência doméstica nesse período de pandemia.
Ansiedade, desesperança e depressão foram outros sentimentos sentidos e percebidos nas narrativas de alunos e alunas do CCBJ. Em alguns momentos de escuta, foi possível observar relatos que desvelam o quanto a arte tem sido fundamental para ajudá-los a transpor esse período difícil, em que o cotidiano de cada um foi interrompido pelo isolamento social. Também foi possível perceber a relevância do CCBJ optar pela implantação do “ensino remoto”, o que permitiu a continuidade da formação artística e cultural dos (as) alunos (as):
Por favor, mantenham nosso curso ativo, pois assim como eu estou passando por uma situação difícil e preciso extremamente dele para aliviar minhas dores, outros alunos também precisam pois estão numa situação parecida e talvez até pior! (Chanchada)
Boa parte dos alunos(amigos) e alunas(amigas) do CCBJ estão seguindo com suas práticas artísticas adaptadas ao novo formato de divulgação e apresentações 100% online, mantendo-se assim ativos e vivos artisticamente. A arte é o espaço onde aliviam suas tensões. O espaço de salvação de si mesmo em que, de múltiplas formas, expressam suas emoções, sentimentos e a maneira como a juventude da periferia está sobrevivendo nesses tempos de pandemia. Nesse sentido, vemos a arte sendo realizada, em consonância com o pensamento da pesquisadora Chrsitine Greiner: “O homem produz manifestações artísticas em busca de sobrevivência”. Em um momento como esse de ruptura e ressignificações, a arte deixa a condição de possibilidade para ser uma necessidade urgente para os(as) jovens aqui retratados e também para a população em geral.
Então, mãos a ARTE!