As Plenárias Setoriais da Universidade Federal do Ceará (UFC), que tiveram início no último dia 16 de julho e encerraram hoje (24/7) seu primeiro ciclo, não nasceram à toa. São resultado da organização do movimento docente, mobilizado por sua entidade representativa (ADUFC-Sindicato) através de reuniões ampliadas de Conselhos de Representantes e duas Assembleias Gerais Extraordinárias. E, ainda, resultado de um processo de produção coletiva que nunca parou, desde que a pandemia da Covid-19 chegou com força ao estado, em meados de março.
No conjunto, foram cinco plenárias envolvendo todas as Unidades Acadêmicas, e que terminaram hoje, com a participação do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), Faculdade de Direito (FADIR) e Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade (FEAAC). Ao longo da semana, diversos relatos e reclamações foram feitos nas plenárias, como: retomada do semestre 2020.1 sem a entrega prometida dos chips de internet para todos/as os/as alunos/as; não contratação/renovação de professores/as substitutos/as; elaboração antidemocrática do Plano Pedagógico de Emergência (PPE); integração do SIGAA com uma plataforma privada, de maneira pouco transparente; problemas no uso do SOLAR, ambiente virtual de aprendizagem próprio da UFC, devido ao tempo insuficiente de preparação do sistema para uso em grande escala; entre outros.
Na terça-feira (21), docentes das unidades do Campus do Pici questionaram o andamento da distribuição dos 6 mil chips aos estudantes, considerada medida insuficiente de inclusão digital por estudantes e professores. Os/as professores/as reclamaram que o semestre foi retomado mesmo sem a entrega dos chips para todos os/as alunos/as. Esta segunda plenária envolveu Centro de Ciências (CC), Centro de Tecnologia (CT), Centro de Ciências Agrárias (CCA) e Instituto UFC VIRTUAL.
A categoria evidenciou ainda o que classificou como “pseudoflexibilização do PPE”, que não permite efetivamente que os coordenadores façam supressão de disciplinas quando julgarem necessário. Eles/as relataram que tem sido autorizada pela PROGRAD a matrícula de novos alunos mesmo com choque de horários de disciplinas; e que estaria havendo uma pressão para que disciplinas teórico-práticas sejam terminadas no mesmo prazo que as demais.
“Antidemocrático, discricionário, abusivo, arbitrário”
A terceira plenária (dia 22/7) envolveu docentes da Faculdade de Medicina (FAMED) e Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem (FFOE). Vários relatos enfatizaram a maneira antidemocrática de elaboração do PPE e o receio generalizado pela obrigatoriedade do cumprimento do Plano sem que suas demandas e preocupações tivessem sido levadas em conta pela administração superior. A direção da ADUFC, na ocasião, relembrou que nunca houve retorno ao oficio enviado no dia 12 de junho à reitoria da UFC, com a pauta de reivindicações aprovada pelo Conselho de Representantes da ADUFC em reunião deliberativa ampliada. Há um mês e meio, o Conselho já pedia a suspensão do semestre letivo 2020.1, para planejamento e reconstrução do PPE, além da garantia de condições para o trabalho docente e maior tempo para formação docente e discente.
Antes mesmo da realização da plenária com participação da FAMED, docentes daquela unidade já vinham denunciando publicamente a arbitrariedade das imposições da reitoria sobre a retomada das aulas. O Prof. Ursino da Silva classificou como “deletéria e desrespeitosa” a adesão ao ensino remoto de forma “açodada” e “massiva”, apenas com o objetivo de cumprir uma carga horária e finalizar de qualquer modo o semestre letivo. Para o docente, que integra o Departamento de Saúde Comunitária da FAMED, retornar apressadamente inviabiliza a qualidade das tarefas pedagógicas e estimula a evasão discente.
O Prof. Ursino publicou, no último dia 13, uma longa carta aberta à comunidade universitária da UFC, questionando a retomada do semestre letivo. O docente afirmou que não se justifica e nem é sensato ou prudente o retorno obrigatório do semestre letivo de 2020.1 no dia 20 de julho, como impôs a UFC. “Tal retorno é oriundo de ato antidemocrático, discricionário, abusivo, arbitrário”, descreveu o professor, acrescentando que considera ainda o ato “ilegítimo e ilegal”.
“Frustração” na tentativa de retomada às aulas virtuais
Também foram relatados nas plenárias setoriais problemas no acesso ao Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) próprio da UFC, o SOLAR. É notável o esforço do corpo docente e técnico do Instituto UFC Virtual em solucionar os problemas no curto período de planejamento dado pela reitoria. No entanto, a preparação do sistema para uso em larga escala necessitaria de mais tempo. No Departamento de Patologia Humana do Curso de Medicina/Campus Sobral, por exemplo, o Prof. Pedro Ciarlini narrou a “frustração que tem sido esta tentativa de retomada às aulas virtuais na marra”. Ele relatou que o SOLAR apresenta instabilidades, que os/as professores/as não conseguem fazer o upload, nem logar em webconferência. Muitas das reclamações aparecem na Plataforma Colaborativa de Experiências em Ensino Remoto da UFC.
“Eu que investi todo esse tempo me preparando, conhecendo o SOLAR, migrando meu material, quando é chegada a hora de usar a plataforma que a UFC provê, não funciona. Como fica o ensino? Como fica o novo prejuízo ao cronograma? Como ficam os alunos?”, desabafou o professor. A exemplo de muitos docentes, Pedro Ciarlini também diz considerar que a reitoria empurrou-lhes o PPE “goela abaixo”, e publicizando à sociedade que está retomando as atividades, “quando na verdade a própria UFC não tem condições materiais (infra-estrutura de servidores, de conexão) para prover ensino a distância”.
A integração do SIGAA com o Google Classroom, uma plataforma privada, e de maneira pouco transparente, também foi tema de uma das matérias produzidas pela assessoria de comunicação da ADUFC. No começo deste mês, o Prof. Eduardo Junqueira, do Instituto UFC Virtual, já manifestava preocupação com essa integração, até porque não se sabe até que ponto o Google terá acesso a dados sigilosos dos usuários. “Ao fazer uso dessas plataformas comerciais da internet, a comunidade acadêmica está sujeita à vigilância constante por meio de mecanismos pouco transparentes e, consequentemente, desconhecidos pela sociedade”, alertou o professor. Segundo ele, toda essa produção intelectual circula e pode ser armazenada nos computadores dessas empresas privadas.
Plenárias pautam primeiro Boletim Interativo da ADUFC
Como convite à participação nas Plenárias Setoriais da UFC, a ADUFC lançou, no último dia 21, seu primeiro Boletim Interativo, com informações acerca do próprio ciclo de plenárias como espaços de discussão e construção de alternativas paralelas. O produto de comunicação, hospedado no site do sindicato e disponível a toda a categoria, também aprofundou um levantamento de outras experiências de inclusão digital e retomadas de atividades acadêmicas pelo Brasil. Foram analisadas formas de adoção do sistema remoto de ensino/ aprendizagem e de políticas de inclusão digital em pelo menos outras 12 instituições. O documento também traz depoimentos de docentes sobre as dificuldades enfrentadas nesse processo de retomada, evidenciando ainda especificidades das diversas áreas de ensino.
O Boletim Interativo também disponibiliza o link do canal virtual para o recebimento de relatos e/ou denúncias de professores/as. As informações enviadas por esse canal serão repassadas diretamente para o setor jurídico e para a diretoria da ADUFC, e servirão para construir um retrato representativo e amplo das situações de não garantia de direitos; falta de segurança sanitária e estrutura; e exclusão de docentes e discentes no processo de retomada. Os relatos serão analisados pelo setor jurídico do sindicato para embasar a proposição de ações que possam garantir a integridade física, mental e estrutural dos/das docentes.
A realização dessas reuniões nas unidades acadêmicas foi deliberada na última Assembleia Geral Extraordinária da ADUFC, ocorrida virtualmente no dia 10 de julho, quando os/as docentes também aprovaram o estado de mobilização e Assembleia Permanente. Na ocasião, a AG também não considerou o dia 20 de julho como data para retomada do semestre 2020.1 na UFC, como havia anunciado impositivamente. Também já foram realizadas plenárias com a participação da Faculdade de Educação (Faced), Instituto de Cultura e Arte (ICA), Centro de Humanidades (CH) e Instituto de Educação Física e Esportes (Iefes); e com as unidades dos campi de Sobral, Quixadá, Crateús e Russas.
(*) Acesse o pdf para download ou leia-o através da plataforma Calámeo CLICANDO AQUI.
(**) Para ler a carta aberta à comunidade universitária da UFC, escrita pelo Prof. Ursino da Silva (Departamento de Saúde Comunitária/FAMED), ACESSE O LINK.