Na noite de sexta-feira (26), o Auditório Izaíra Silvino, na sede da ADUFC em Fortaleza, recebeu o lançamento do livro “Diário de um guineense africanizado – um ser da travessia”, de Idrissa da Silva (Fidju di Djinti)*. Além do autor, a mesa do evento contou com a presença da Prof.ª Peti Mama (UNILAB) e do Prof. Lourenço Cardoso (UNILAB) para realização de comentários sobre o livro e mediação, respectivamente.
Idrissa apresentou a obra trazendo muitas provocações a partir da sua vivência no Brasil, onde reside desde 2014, e ressaltando a brutal presença dos modos civilizatórios coloniais que ainda estão fortemente presentes na sociedade brasileira. O autor partilhou experiências como a de passar a ser identificado apenas como “africano” a partir do momento que chegou no país, algo que não fazia parte da sua vivência no seu país natal, Guiné-Bissau.
“Quando cheguei ao Brasil, eu era simplesmente um garoto. Eu fui forjado pela UNILAB, pelos professores, pelo dia a dia no Brasil, que de algum modo é cruel também para a pessoa que sai do seu país pensando que estaria vindo para uma sociedade em que me sentiria em casa devido à ligação que nós temos com o Brasil pelo passado colonial. Quando eu saí do meu país, saí como Idrissa da Silva, Fula-Mandjaku, e o Brasil falou para mim que não, você é africano”, pontuou o autor sobre as percepções limitadas que a maioria dos brasileiros tem em relação aos vários países do continente africano e sua imensa diversidade.
Idrissa ressaltou que as vivências de um guineense são diferentes das vivências de um cabo-verdiano, de um angolano, de um santomense, de um moçambicano, para falar dos países pertencentes aos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), mesmo dentro do próprio continente africano. A unificação de todas as pessoas como somente “africanos” é uma homogeneização que retira as perspectivas individuais e coletivas de cada experiência, provocando assim uma desumanização.
“Como é que o subalterno no Brasil pode falar? Eu sempre digo que estou no hall da subalternidade, mas costumo andar sempre de cabeça erguida. (…) O subalterno no Brasil é o negro, mas nós constituímos a parte mais sombria de ser negro. (…) A África é lida no Brasil a partir de três dimensões: guerra, fome e selva. Quando você tira a África desse lugar, é como se ela não existisse para a maioria do pensamento social brasileiro. As pessoas se espantavam aqui porque usávamos tênis de marca – o que era uma coisa normal no nosso país. O Brasil, para a gente, é um lugar de insistência e resistência. Estou há 11 anos no Brasil, mas nunca me sinto confortável. Em cada lugar que vou, sou sempre o outro”, acrescentou.
O autor trouxe também questões sobre o preconceito linguístico e o desconhecimento de que países como Guiné-Bissau, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Cabo Verde também são falantes de língua portuguesa.
Apesar de uma série de vivências traumáticas, Idrissa ressaltou também a transformação positiva que o Brasil representou na sua vida a partir da UNILAB e o acesso a uma diversidade de obras com as quais teve contato no período da graduação, como os estudos de Achille Mbembe, Gayatri Chakravorty Spivak, Marcos Bagno, entre outros/as.



A Prof.ª Peti Mama destacou que o livro é uma obra para ser lida sobretudo pelo público brasileiro, tendo sua narrativa elaborada a partir de uma mescla entre denúncia social e vivência.
“Falar das minhas impressões sobre o livro não é uma tarefa fácil, é antes de tudo uma travessia pessoal. Ao longo da leitura do “Diário de um guineense” eu fui atravessada por uma série de sentimentos que se misturaram, que se contradizem… Eu senti raiva das violências relatadas e também me reconheci em muitas páginas. Esse livro não é exclusivamente um diário de Idrissa, ele também é meu, é de tantos outros africanos e africanas que atravessaram o Atlântico em busca de sonhos e encontraram no Brasil uma realidade, às vezes, dura, contraditória e cruel. (…) Ao ler esse diário não me senti apenas uma leitora guineense, me senti parte, companheira de travessia, cúmplice de um grito que também me habita. É um livro de dor, mas talvez seja um livro de cura também”, pontuou a docente.
O Prof. Lourenço Cardoso ressaltou que o livro é um chamado à luta e pode funcionar como combustível para que se repensem as falácias de que o Brasil seja um país pacífico.
“O Idrissa já está nos revelando o que é o Brasil. O Brasil é um país extremamente violento. O Brasil disse para o Idrissa que ele não era uma pessoa por ele ser quem ele é. E quem foi que disse isso para Idrissa? Quando eu não enxergo você como pessoa, como humano, quem é o desumano? Sou eu. Quem é desumano? O Brasil. Isso é muito violento. (…) Esse livro não é para resignação, esse livro é um chamado à luta”, afirmou o docente.
O livro “Diário de um Guineense Africanizado – um ser da travessia” segue disponível para venda de forma online.
(*) Idrissa da Silva (Fidju Di Djinti) é doutorando em História pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), mestre em História pela Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA), graduado em Humanidades pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), e licenciado em História pela mesma Universidade. O autor tem participação em projetos de pesquisas e ensino, com interesse em Estudos Africanos, Direitos Humanos, Filosofia e Pensamento Decolonial, e trabalha atualmente como pesquisador do Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN).



