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MEMÓRIA — Conferência de encerramento da IV ProfArtes debate memória e justiça com Aline Furtado e Cícera Barbosa

O sindicato é um local de encontros frutíferos e a ADUFC tem sido, desde sua fundação, local de articulação de luta e bem viver. É da natureza sindical, no mundo dos trabalhadores e das trabalhadoras, que se reunir em coletivo signifique “esperançar”. É na troca de saberes e na mobilização coletiva que germinam ideias que podem fazer o mundo virar uma esquina. E quais são as urgências do nosso tempo? Certamente são muitas, mas uma das principais foi apontada por Aline Furtado durante a conferência de encerramento da IV Semana ProfArtes: é preciso romper com a reencenação colonial

Na manhã de sexta-feira (18), o Auditório Izaíra Silvino, na sede da ADUFC, em Fortaleza, recebeu o último dia de atividade da IV Semana ProfArtes – I Seminário Arte e Escola, evento que aconteceu entre os dias 16 e 18 de julho de 2025. A atividade foi realizada pelo Programa de Mestrado Profissional em Artes (PROFARTES), do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e teve como temática Arte e saberes insurgentes: a escola e seus territórios sensíveis.

Na conferência de encerramento, intitulada “Negro é o Rio que navego em Sonhos: percursos das presenças negras nas artes visuais do Ceará”, tivemos a oportunidade de ouvir as intelectuais cearenses Ana Aline Furtado, artista, curadora, advogada, gestora cultural e diretora da Casa Barão de Camocim, e Cícera Barbosa, professora, educadora popular, mestre em História Social, pesquisadora e coordenadora da Galeria da Liberdade – Museu da Imagem e do Som (MIS). 

O título da conferência de encerramento é homônimo ao título da exposição de abertura da Galeria da Liberdade, espaço inaugurado em 2025 e que ressignificou o conjunto arquitetônico que por 52 anos homenageou um ditador. Para Cícera Barbosa, a “ressignificação dos espaços de memória é uma luta por justiça social”. A pesquisadora apresentou historicamente para a audiência presente o estabelecimento do antigo Mausoléu Castelo Branco (1952-2024) e a transição do espaço para a criação da Galeria da Liberdade. Afinal, a arte pode ser desenvolvida como um lugar de vida e também de disputa de memória

“Essa ação de ressignificação desse espaço, da Galeria da Liberdade, está em consonância com redes internacionais como a RESLAC (Red de Sitios de Memoria Latinoamericanos y Caribeños) e a REBRALUM (Rede Brasileira de Lugares de Memória). Não é uma ação de um sujeito que ressignifica, aqui foram mais de 40 instituições desde Argentina, Chile, Peru, Equador, Uruguai, República Dominicana, Paraguai, México, Colômbia, Guatemala, El Salvador, entre outras, que estiveram em luta e pressionando o governo brasileiro, e cearense, para retirar essa homenagem ao [ditador] Castelo Branco. Então, esse exercício vem de longa data, de uma longa duração, não é um gesto que a gente pode dar para uma pessoa só”, pontuou Cícera. 

A docente, que é professora da rede estadual há 15 anos, trouxe também a perspectiva necessária e desafiadora de que a escola possa ser transformada nesse espaço de arte permanente, mas também possibilitar que os/as estudantes possam acessar outros universos, como as galerias de arte. 

“Que seja possibilidade para eles/as [estudantes] desenvolver a arte como um lugar da vida, como esse horizonte de grandes expectativas. Eu acredito que é nos museus, nos memoriais – atualmente estou desenvolvendo uma pesquisa nos quilombos do Ceará para uma exposição no Memorial da Cultura Cearense e a gente tem ido aos espaços de memória de 18 quilombos que construíram suas casas de sementes e museus nos seus territórios. É como a gente escolhe lembrar, sobretudo, o que a gente quer guardar, o que a gente quer deixar como presente ancestral, como a gente quer continuar aqui, quais são esses objetos, registros, o que vai ficar de memória. Acho que é um desafio coletivo”, acrescentou. 

Em seguida, foi a vez de Aline Furtado compartilhar sua fala na conferência de encerramento. Aline, que é também curadora da exposição de abertura da Galeria da Liberdade, deu início à sua palestra compartilhando com a plateia sobre a sua trajetória de vida, formada por valores e princípios sertanejos como a reciprocidade e o comum. Além de uma trajetória política e profissional forjada nas lutas sociais. 

“Tudo que eu faço agora está totalmente ligado e não é uma linha. Está totalmente ligado por todas as espirais do que eu vivi. O que eu entendi agora em 2025 é que em meu corpo está contido todos os tempos. Eu consigo encontrar, e reencontrar, as mulheres negras que estavam aqui em 1880, das quais não existe uma imagem. Das quais, sem as pesquisas, como as de Cícera Barbosa, a gente não saberia delas. Então, são outras mulheres negras e somos nós mulheres negras, refazendo, reescrevendo por nós mesmas outra história”, compartilhou Aline

A pesquisadora ressaltou ainda que a curadoria da exposição “Negro é o Rio que navego em Sonhos: percursos das presenças negras nas artes visuais do Ceará” é uma espécie de segundo ato da curadoria que Aline e Cícera fizeram juntas no MAC da exposição “Ana, Simoas e Dragões – Lutas Negras pela Liberdade”. Aline ressaltou o entendimento de curadoria como “um gesto de cuidar das histórias mal documentadas”, processo que está diretamente ligado com o trabalho que vem sendo feito por diversos intelectuais negros e indígenas. “Me vejo como uma cuidadora dessas histórias mal documentadas, como um papel político dentro desse campo das artes e da curadoria, que é um lugar de poder. Afinal, quem se pode narrar? Contar as histórias mal documentadas de pessoas que não tiveram como se narrar. E aqui eu não estou assumindo a voz delas, eu faço ecoar a minha voz e trajetória coletiva, para que pelos signos e pelos rastros elas existam”, afirmou. 

Aline lançou também durante a conferência questionamentos essenciais ao Brasil: “como reparar o que é irreparável?”. A pesquisadora lembrou que todos os monumentos são erguidos para passar alguma mensagem específica e que o centro do poder que escolhe a monumentalidade é branco e patriarcal. Para um país que não teve justiça de transição, como é o caso do Brasil, pensar a curadoria de espaços artísticos pode ser também uma das muitas formas de enfrentamento ao Estado que segue perpetuando lógicas coloniais. A curadoria pode fazer um convite para que as pessoas encontrem, e se confrontem, com a História. 

“Não era uma curadoria simples que um ‘escolher obras’ daria conta de estar ali. Era preciso muita reflexão, debate, entendimento histórico de todas as lutas coletivas, (…) saber que a gente mora em um país que não teve justiça de transição. (…) Uma curadoria não pode, ela não tem esse corpo, num primeiro momento, de enfrentar a História, mas ela é um gesto, um convite, para que enfrentemos todos, todas e todes a História”, pontuou. 

A curadora partilhou também sobre o processo de troca com as/os artistas da exposição. 

“Sempre que a gente está conversando com as/os artistas, eu convido para um encontro daqui a 10 anos. Vamos falar sobre isso no futuro? Agora está muito cedo. Vamos ficar nesse presente, com essa presença, materializando o nosso trabalho, pensando o que a gente pode articular e principalmente pensando o que a gente pode desmantelar com a nossa simples presença, com os nossos modos de fazer. Pensar a curadoria é pensar nessa presença desse Estado que sempre negou a nós a existência, a identidade. É pensar nas resistências indígenas e negras que estavam aqui. Então, o meu primeiro gesto era pensar o antes, e o antes do antes. Porque antes do concreto, antes do monumento, havia a presença negra e indígena nesse estado. Então, reencontrar e sair da narrativa. Você pode até situar e lembrar que um povo foi sofrido, que um povo ainda é sofrido, mas você não pode condenar um povo à sua dor. E a minha maior preocupação com essa curadoria era não condenar a nós, pessoas negras, a nossa dor. Então, a minha principal pergunta em todo o gesto – para além de como ocupar esse lugar e como reparar o irreparável –, era como construir convivialidade na geografia da violência”, compartilhou Aline. 

Galeria da Liberdade, , espaço gerido pelo Museu da Imagem e do Som do Ceará, foi inaugurada no dia 18 de junho de 2025, ressignificando espaço que antes levava nome de ditador (Foto: Governo do Ceará/Divulgação)

Exposição “Negro é o Rio que navego em Sonhos: percursos das presenças negras nas artes visuais do Ceará” 
Visitação gratuita 
Quarta e quinta-feira: 10h às 18h
Sexta-feira e sábado: 13h às 20h
Acesso até 30 minutos antes do fechamento do espaço 
Galeria da Liberdade
Av. Barão de Studart, 505, Meireles – Fortaleza

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