O segundo encontro do Letra Viva – Círculo de Leitura da ADUFC foi marcado por uma tarde de intensos debates a partir da leitura de “A Vida Não é Útil”, de Ailton Krenak.
Contando com a presença de dois docentes que haviam participado da 21º edição do Acampamento Terra Livre – ATL 2025, maior encontro de mobilização indígena do país, que ocorreu entre os dias 07 e 11 de abril, em Brasília (DF), o Letra Viva iniciou com um relato das experiências partilhadas e aprendidas durante a mobilização.
“Voltei de lá muito preocupada porque a conjuntura atual é considerada a pior desde a Constituinte. Vocês devem saber que foi aprovada pelo Congresso a Lei n. 14.701, que é a lei do Marco Temporal, um mês depois do STF, em 2023, ter considerado o Marco Temporal um marco inconstitucional. (…) E aí o que aconteceu de lá para cá foi que a APIB e outras instâncias entraram com pedidos para que o STF declarasse a lei inconstitucional. E aí o que o STF fez? No ATL de 2024, um dia antes do acampamento começar, o Gilmar Mendes instituiu uma mesa de conciliação entre os indígenas e o agronegócio, a bancada do boi, da bíblia e da bala. A princípio os indígenas aceitaram participar, mas logo entenderam que era impossível conciliar sobre direitos que estavam garantidos na Constituição. A APIB se retirou da mesa, mas a mesa não só prosseguiu, como durante o ATL 2025 foi recebida a notícia de que o Senado, a Câmara e o Governo [Federal] pediram que a mesa de conciliação fosse prorrogada. Isso foi recebido como uma notícia muito desanimadora porque a análise feita dentro do ATL sobre essa mesa de conciliação é que ela é inconstitucional, injusta, ilegítima e imoral. E o que vai sair dessa mesa de conciliação é uma excrescência no ordenamento jurídico brasileiro. É muito grave porque desde que essa lei [do marco temporal] foi aprovada a situação [de violência] piorou muito nos territórios”, partilhou a Profª. Suene Honorato.
A docente relembrou aos participantes do Letra Viva que todas as mesas de debate realizadas durante o Acampamento Terra Livre podem ser assistidas no canal de Youtube da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, mas ressaltou, em especial, a importância de assistir a mesa “O Acordo sem Voz: A Câmara de Conciliação no STF e a Reconfiguração da Política Indigenista no Brasil” para melhor compreensão do debate sobre o Marco Temporal.
Após a breve análise de conjuntura, as percepções sobre as ideias propostas por Krenak no livro “A Vida Não é Útil” foram compartilhadas pelas pessoas participantes do Letra Viva. Alguns participantes nunca tinham tido contato com autores indígenas, o que despertou a descoberta de um novo campo de conhecimento e de reflexões sobre o sistema em que vivemos.
O Prof. Fernando de la Cuadra relembrou, a partir da leitura do livro, o debate que houve durante a pandemia, se a humanidade ia sair melhor ou não desse acontecimento histórico. Relembrou processos como os pumas no Chile, ocupando lugares onde os humanos passaram a não ocupar mais por conta da quarentena e também as ações de fraternidade e solidariedade que ocorreram no período da pandemia. “Depois dessa experiência forte, limite e radical da pandemia, vai sair uma humanidade melhor, né? E hoje vejo o mundo com Trump, Milei, essa extrema-direita brasileira, no mundo em geral… A gente continua igual, né?”, afirmou o professor. E, em seguida, leu o trecho do livro que diz:
“Quando falo de humanidade não estou falando só do Homo sapiens, me refiro a uma imensidão de seres que nós excluímos desde sempre: caçamos baleia, tiramos barbatana de tubarão, matamos leão e o penduramos na parede para mostrar que somos mais bravos que ele. Além da matança de todos os outros humanos que a gente achou que não tinham nada, que estavam aí só para nos suprir com roupa, comida, abrigo. Somos a praga do planeta, uma espécie de ameba gigante. Ao longo da história, os humanos, aliás, esse clube exclusivo da humanidade — que está na declaração universal dos direitos humanos e nos protocolos das instituições —, foram devastando tudo ao seu redor. É como se tivessem elegido uma casta, a humanidade, e todos que estão fora dela são a sub-humanidade. Não são só os caiçaras, quilombolas e povos indígenas, mas toda vida que deliberadamente largamos à margem do caminho. E o caminho é o progresso: essa ideia prospectiva de que estamos indo para algum lugar. Há um horizonte, estamos indo para lá, e vamos largando no percurso tudo que não interessa, o que sobra, a sub-humanidade — alguns de nós fazemos parte dela.”
A partir do elemento ressaltado pelo Prof. Fernando, os/as participantes do Letra Viva debateram largamente sobre a raiz dos atuais problemas da humanidade serem originados pelo capitalismo e a imposição dos seus modos a toda a vida existente no planeta. A Profª. Irenísia Oliveira destacou também como uma grande questão do livro a possibilidade de aprender a conviver com a natureza. “Seremos capazes de aprender? Eu acho que essa é uma questão totalmente aberta que ele traz no livro. Voltar a se sentir natureza. Acho que essa é a questão. Uma grande questão de fundo que ele traz como sabedoria”, ressaltou.
A Prof.ª Suene Honorato, que é estudiosa da obra de Krenak, apontou o anticapitalismo como um elemento central na obra do autor, ressaltando que é importante ler a obra também a partir dessa perspectiva. “Eu me lembro do Krenak, durante a pandemia, ter dito coisas que impactaram, que as pessoas não entenderam. Acho que o Ailton é hoje dos intelectuais indígenas o mais radical. Aquele que sempre vai falar sobre o problema do capitalismo, que é um problema gerado para todas as pessoas”, pontuou Suene.
O Prof. Luiz Gonzaga, coordenador do projeto de extensão LER – Leitura, Engenharia e Reflexões, animado pela leitura do segundo encontro do Letra Viva, levou para todos/as os/as participantes uma cópia do texto “Nós estamos aqui: O pálido ponto azul”, de Carl Sagan, lido de forma coletiva no momento da atividade. O docente apontou ainda que a iniciativa do projeto de extensão relacionado com a literatura albergado no Centro de Tecnologia funciona também com o intuito de combater essa divisão que se acredita existir entre tecnologia e humanidades como áreas de saberes apartados.
Questões essenciais, como o próprio conceito de humanidade e as problemáticas causadas desde a existência e manutenção do sistema capitalista, foram elementos de debate também a partir das ideias lançadas no livro. Outros temas debatidos foram a possibilidade de aprender com os modos de vida dos povos originários e tradicionais, com as lutas dos movimentos sociais, a ideia de futuro, a crítica à noção de progresso, a literatura a partir da ecotopia, entre outros.
Ao final do encontro, foram sorteados três exemplares do livro “Parque Industrial”, da Pagu, que será o livro debatido no encontro de maio do Letra Viva.
O próximo encontro do Círculo de Leitura acontece na quinta-feira, 29 de maio, às 16h, na sede da ADUFC, em Fortaleza. A participação segue aberta, livre e gratuita a todas as pessoas interessadas, sendo apenas necessária a inscrição no Círculo de Leitura.
Letra Viva – Círculo de Leitura da ADUFC
3º encontro – 29 de maio de 2025 (quinta) às 16h
Livro para debate do 3º encontro: Parque Industrial – Pagu
Inscrições via forms
Atividade aberta, livre e gratuita
Sede da ADUFC | Av. da Universidade, 2346 – Benfica







