(Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil)
O último sábado, 07 de junho, foi marcado pelo ato “Não ao PL da Devastação” na Praia de Iracema, em Fortaleza. O ato, que teve concentração na estátua de Iracema e seguiu até o Poço da Draga, reuniu centenas de pessoas que protestaram contra a aprovação no Senado do PL 2.159/21, nomeado popularmente de PL da Devastação, por representar um ataque sem precedentes à política ambiental brasileira. A ADUFC esteve presente no ato reiterando a importância do movimento sindical docente, assim como da academia, se somar nas lutas por justiça ambiental e social.
“A gente entende que é preciso ampliar a mobilização para garantir que essa proposta negacionista não seja aprovada na Câmara. De fato, está sendo considerado um desastre, inclusive o PL está sendo chamado de PL da Devastação porque ele autoriza a devastação ambiental, sem nenhum parâmetro técnico ou científico, agravando os problemas climáticos e socioambientais. A ADUFC convida os/as colegas a tomar conhecimento do teor desse PL e o perigo que ele representa para o nosso país”, afirmou o presidente da ADUFC, Prof. André Ferreira.
O professor lembrou também que o Brasil irá sediar a COP30, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes), que acontecerá em Belém (PA), em novembro. “No ano de COP 30, a gente está aprovando um retrocesso dessa natureza quando o Brasil deveria estar ocupando uma posição de liderança na transição energética. É preciso chamar a nossa categoria para cumprir um papel de relevância, a universidade precisa estar à frente da defesa da ciência. Esse PL ataca frontalmente a ciência, desconsidera qualquer parâmetro científico para a aprovação de empreendimentos econômicos, é puramente a força do poder econômico na contramão da ciência”, acrescentou.

Para o Prof. Rafael Costa, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais da Universidade Federal do Ceará (UFC), o licenciamento ambiental é uma etapa imprescindível que funciona como uma salvaguarda para que toda intervenção que for realizada na natureza por empreendimentos seja avaliada do ponto de vista ecológico.
“Se você vai construir, seja uma rodovia, um condomínio ou uma hidrelétrica, todas essas intervenções vão ter impactos na natureza, e o licenciamento ambiental é o mecanismo que existe para que os impactos sejam estudados previamente para emissão de licenças de instalação e operação. Do ponto de vista ecológico, qualquer intervenção que você faz na natureza tem efeito, vai afetar o funcionamento dos sistemas ecológicos. A grande questão é você prever quais são, fazer estudos para que se tenha ideia de quais vão ser os efeitos e de que modo os efeitos podem ser minimizados ou compensados”, afirmou.
E acrescentou: “Antes de haver dispositivos de licenciamento, os empreendimentos simplesmente iam lá e faziam: desmatavam a floresta, desviavam rios, jogavam efluentes em cursos d’água sem nenhuma análise. (…) O que é que vai acontecer? A tendência é isso. A gente está em um sistema que visa o aumento de lucros e, obviamente, o interesse do empreendedor não é gastar dinheiro com licenciamento ambiental ou adequações que levem a um impacto menor sobre o meio ambiente. Então, se você tira uma perspectiva de avaliação externa, aprovação de estudos e projetos do empreendimento, você está dando a oportunidade do empreendedor de (…) não assumir os compromissos ambientais e aumentar sua margem de lucro”.
O professor alerta ainda para o inevitável aumento de tragédias ambientais, com amplo impacto social, como as de Brumadinho e Mariana, ambas em Minas Gerais.
“Para o Brasil vai ser muito ruim. O Brasil tem uma grande área e depende muito dos sistemas naturais. O sistema climático, a importância da Amazônia na regulação do clima do continente, a importância dos ecossistemas da Caatinga para garantir a sobrevivência e a manutenção da qualidade de vida das populações do sertão, tudo isso são coisas que podem ser afetadas. Tragédias como a de Brumadinho, por exemplo, foram áreas que passaram por licenciamento, e mesmo assim o licenciamento não foi eficaz. Imagine se todos esses empreendimentos passam a ter um licenciamento mais frouxo? A probabilidade dessas tragédias acontecer é maior. O grande risco para o Brasil é que a sociedade passe a pagar uma conta ainda maior por impactos ambientais que vão ser promovidos por empreendimentos que certamente não vão compartilhar os lucros”, pontuou o Prof. Rafael Costa.
Cenário de destruição
Organizações da Sociedade Civil e Movimentos Sociais têm se manifestado e mobilizado contra o PL da Devastação no intuito de chamar atenção da população brasileira e de unir forças para barrar o retrocesso. O Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM lançou a nota “Dizemos Não ao PL da Devastação!” onde destaca que “esse projeto irá servir aos interesses das grandes corporações, principalmente às mineradoras e ao agronegócio, que buscam ampliar seus lucros à custa da vida, dos territórios e da soberania popular. É mais uma ameaça às comunidades tradicionais, aos povos indígenas, às populações urbanas, ao meio ambiente e ao futuro do Brasil”.
A Articulação Semiárido Brasileiro – ASA, rede formada por mais de 3 mil organizações da sociedade civil de distintas naturezas como sindicatos rurais, associações de agricultores e agricultoras, cooperativas, ONGs, Oscip, entre outras, também chama atenção para o retrocesso que o PL aprovado no Senado representa. O coordenador executivo da ASA, Luis Eduardo Sobral, destacou o patamar desastroso que o PL Da Devastação irá trazer para o país, caso aprovado também na Câmara. “Ele praticamente dá sinal verde para que as empresas concedam suas próprias licenças para realizar atividades que geram riscos para as pessoas e devastam o ambiente. Queria frisar que quem faz a extração dos recursos naturais e a devastação dos ecossistemas são empresas do agronegócio, grandes fábricas, grandes empreendimentos que geram lucros a todo custo. Se nós já temos problemas com degradação ambiental, se tivermos essa lei aprovada pela Câmara, vamos presenciar um novo patamar de destruição”, afirmou.

Viveiro de mudas dos jovens da comunidade de Bela Cruz – CE (Foto: ASA Brasil)
Na prática, o PL 2.159/21 dispensa o licenciamento ambiental no Brasil para atividades de alto risco, já que confere aos setores produtivos plenos poderes de avaliar e licenciar os seus empreendimentos. A Licença Ambiental Especial (LAE) permitirá que atividades ou empreendimentos definidos como “estratégicos” por um “Conselho de Governo” sejam aprovados em rito sumário.
Entre os graves riscos que o PL 2.159/21 apresenta para o Semiárido brasileiro, está a agudização da dificuldade de acesso aos recursos hídricos para as populações e também o agravamento de eventos climáticos extremos. O Estado do Ceará conta com 175 municípios, equivalente a 98.7% de seu território, incluídos na região do Semiárido.
“Um exemplo do impacto do PL 2159 é que o empresário não vai ter mais obrigação de ter a outorga de recursos hídricos, que é essencial para garantir a qualidade e a quantidade do abastecimento de água da população. As possíveis consequências disso é a falta de água de qualidade para quem mais precisa, uma vez que as empresas poderão extrair da quantidade que quiserem e emitir mais contaminantes nos mananciais que correm risco de secar, ainda mais, e de serem contaminados. E isso será agravado pelas emergências climáticas. O PL também restringe medidas de controle e prevenção da poluição atmosférica e do desmatamento. E assim, nós teremos mais eventos climáticos extremos, como secas mais intensas, inundações mais frequentes e desregulação das chuvas principalmente nas regiões Semiáridas”, pontuou o coordenador executivo da ASA.