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REPORTAGEM ESPECIAL – A opção pela educação pública desde o ensino básico no Ceará

Escola da rede estadual / Foto: Divulgação Governo do Ceará

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura o acesso à escola pública e gratuita para todas as crianças e adolescentes. Fazer valer esse direito é um caminho que demanda a participação de diferentes atores: gestão pública, sociedade civil e iniciativa privada. Hoje, mais de 80% das matrículas no ensino básico são na rede pública e suas escolas têm avançado bastante ao longo dos últimos anos, mas ainda enfrentam o estigma social que leva ao olhar desconfiado das classes média e alta. Com esta reportagem, a ADUFC-Sindicato busca abordar a importância da educação pública, desde a educação infantil, e estimular a integração a ela por pais que buscam uma instituição de ensino para seus filhos.

No Ceará, muitas dessas escolas apresentam qualidade excepcional e altos índices de aprovação de alunos em seleções para o nível superior. Nos últimos anos, o estado tem se destacado em diferentes índices que mensuram a educação pública no Brasil e conta com 201 Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTIs) e 123 Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEPs). Essas instituições oferecem uma grade curricular que inclui o conteúdo convencional de estudo e outros conhecimentos especializados para os estudantes.

As matrículas nas EEMTIs seguem o mesmo modelo das escolas regulares: os alunos do ensino fundamental da rede pública são automaticamente encaminhados para esses equipamentos e, posteriormente, há um período de matrículas para alunos externos. Já nas EEEPs o ingresso é feito a partir de triagem do currículo estudantil, uma vez que há uma lista de espera considerável para essas escolas. Neste caso, é considerada a média das notas do 6º ao 9º anos do fundamental. É o que explica o coordenador da Educação Profissional da Secretaria da Educação (Seduc), Rodolfo Sena.

O acesso às escolas profissionais é prioritário para estudantes oriundos da escola pública, mas não exclusivo. Hoje há uma cota de 20% para os alunos da rede privada, e tanto para a seleção de adolescentes dos colégios públicos como dos particulares existe uma reserva de 30% das vagas para aqueles que moram no bairro da escola ou nos dois bairros adjacentes. Atualmente, 50% das escolas públicas de ensino médio do Ceará são de tempo integral (EEEP ou EEMTI).

A alimentação na escola também é um diferencial, já que são oferecidas três refeições por dia aos estudantes, o que pode impactar positivamente o rendimento escolar de alunos em situação de vulnerabilidade social.

Conforme Rodolfo Sena, as turmas são formadas por 40 alunos, quando a escola é adaptada, ou 45, nas instituições consideradas “padrão MEC”. O coordenador da Educação Profissional no Ceará também ressalta que as escolas têm autonomia para fazer a seleção de ingresso dos estudantes. Geralmente, os editais de acesso são divulgados nas redes sociais de cada EEEP e/ou nos sites da Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação (Crede) à qual a escola pertence e da Superintendência das Escolas Estaduais de Fortaleza (Sefor).

Ana Emília Pinheiro, diretora da EEEP Professora Lysia Pimentel Gomes Sampaio Sales, uma das três escolas profissionais de Sobral, explica que a a escola tem alcançado resultados que se equiparam aos das mais conceituadas escolas privadas da região. Ela destaca que as seleções ocorrem geralmente nos meses de dezembro e janeiro e são sempre dialogadas, previamente, entre os gestores das três escolas profissionais do município para alinhar o calendário do processo seletivo.

Escola da rede estadual / Foto: Divulgação Governo do Ceará

Menos conteudismo: escola deve ser espaço de aprendizados e diversidades

Foi pensando numa grade de ensino mais diversa que a Profª. Gisele Lopes, que integra a atual Diretoria da ADUFC-Sindicato, decidiu matricular o filho, hoje com 17 anos e cursando o 3º ano do ensino médio, na EEMTI Romeu de Castro Menezes, em Caucaia. A busca pela escola mais adequada passou por fatores como proximidade da sua casa; qualidade da estrutura física – quadras esportivas, bibliotecas e laboratórios; e segurança.

Docente do Departamento de Química Analítica e Físico-Química da Universidade Federal (UFC), Gisele Lopes diz que começou a cogitar colocar o filho em uma escola pública quando passou a orientar os alunos do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática, muitos dos quais professores de colégios públicos que buscavam qualificação profissional. “Comecei a ver que os melhores professores estão na escola pública. Eles são, no mínimo, graduados, e muitos deles têm mestrado e doutorado. Foi aí que comecei a pensar que gostaria que meu filho tivesse um professor desses”, destaca.

Gisele Lopes também relata que o incômodo com o excesso de competição dentro das escolas particulares e a carência de uma formação mais integral e humana também a motivaram a buscar a rede pública. “As escolas particulares são muito conteudistas, de modo geral, e voltadas apenas para o ENEM. Não acho isso certo, porque os adolescentes têm que aprender tudo, e passar no ENEM vai ser uma consequência”, opina.

A docente explica que em um dos turnos os estudantes assistem às aulas de disciplinas regulares do ensino médio e, no contraturno, são oferecidas matérias opcionais como teatro, música, basquete, futebol, gastronomia, dança, artes plásticas e informática. “No meu entendimento é uma forma de estudar e manter o aluno na escola, porque ele vai fazer coisas que gosta e escolheu fazer”, avalia.

Em nota, a Seduc informou que está finalizando a portaria para normatizar o processo de matrícula 2022 na rede pública estadual. Todas as informações serão divulgadas em breve, de acordo com a pasta estadual.

Outra possibilidade para cursar o ensino médio da rede pública é o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). É o caso do filho do Prof. André Ferreira, Diretor de Relações Intersindicais da ADUFC. O jovem de 19 anos faz o 3º ano do ensino médio no IFCE no curso de Edificações. Para o docente, é preciso que a sociedade civil se aproprie do papel de cobrar avanços e ocupar esses espaços. “A melhoria vem a partir da pressão da sociedade, mas essa pressão não é unívoca, são diferentes projetos”, salienta. “No ensino médio, eu recomendo o IFCE, estou muito satisfeito”, completa.

No instituto federal, estudantes cursam, simultaneamente, o ano regular e uma formação técnica. As inscrições estão abertas até o próximo dia 27/9 para a seleção em seis campi do interior. A previsão, de acordo com o IFCE, é de que o edital para o campus de Fortaleza seja lançado em outubro.

IFCE é alternativa para ensino médio com formação técnica / Foto: IFCE

Ocupar a escola pública é um ato político

Professora, mestranda em Educação e jornalista, Sara Rebeca Aguiar decidiu, há três anos, integrar o conhecimento teórico acumulado nas reportagens que fez como setorista de educação e a vivência em projetos de rádio-escolas nos quais atuou, já como educadora, a uma experiência genuína de viver a rede pública de educação, mas agora como mãe. Filha de pai professor de escola pública e mãe alfabetizadora, ela e o irmão estudaram em escolas públicas e comunitárias. “Tudo isso começou a fermentar dentro de mim. Às vezes a gente tem as escolas particulares como uma referência de educação, e isso não é verdade”, diz.

Sara e o marido decidiram matricular os filhos, de 6 e 9 anos, na Escola Municipal Madre Teresa de Calcutá, em Fortaleza. Escolheram uma escola em um bairro vizinho, pequena, com clima comunitário e que possibilitasse um tratamento mais pessoal aos alunos, além de ser uma referência de bons índices na rede municipal. “Muita coisa da educação particular não faz sentido para mim, como a educação conteudista. Visitava as escolas da cidade, via a realidade dos professores da escola pública. Dentro da escola pública, muitos professores tinham planos de cargos e carreira, especializações…”, justifica.

A escolha de ocupar a escola pública, reafirma Sara Aguiar, também não passou por uma idealização. “A gente nunca buscou a escola perfeita, sem defeitos”, resume, ao reconhecer as dificuldades da realidade das escolas públicas. “As mazelas sociais recaem para dentro do ensino público – a violência, que afeta o rendimento de todos os alunos; elas também afetam o professor, quando há turmas com três ou quatro crianças com deficiência, mas sem os monitores que já são previstos em lei”, exemplifica.

Sara Aguiar não esconde as limitações que visualiza diariamente: carências nas estruturas físicas, ausência de espaços verdes e de lazer e falta de uma abordagem mais regional nos conteúdos. No entanto, a decisão de ocupar a rede pública passou por dois pré-requisitos: os pais estavam decididos a acompanhar tudo de perto, até para compensar eventuais fragilidades do ensino, e eles reivindicariam a qualidade daquele espaço que é direito de seus filhos.

“É preciso saber que a escola pública é sua e brigar por aquilo. Escola pública ainda é espaço de luta, é uma decisão política. Na escola particular, eu não via muito esse espaço democrático. É saber o que está perdendo e o muito que está ganhando”, ressalta a jornalista e pesquisadora em Educação. “A gente pensou: se é para colocar os filhos em uma escola particular conteudista que é caríssima, a gente vai se valer de um direito que é nosso e vai tentar contrabalancear com aquilo que a gente acredita”, complementa ela, que chegou a trabalhar por 15 anos em grandes escolas particulares de Fortaleza.

O contexto da pandemia de Covid-19 ampliou os desafios para todas as escolas, especialmente as públicas. Assim, os próximos anos serão fundamentais na elaboração dessa experiência e na recuperação de perdas educacionais. A valorização dos docentes e o apoio aos estudantes, além da complementação de políticas públicas democraticamente planejadas, serão essenciais nesse trabalho.

As alternativas para a melhoria das escolas públicas, conforme convergiram as falas de todos os entrevistados, não incluem negar os seus problemas e deficiências, mas integrar-se a esses espaços fundamentais na democratização da educação e do acesso às oportunidades de trabalho e renda, e na redução de desigualdades socioeconômicas. Também aqui cabe reconhecer a diversidade tanto de escolas públicas como particulares, em seus métodos de ensino, conteúdos abordados, qualidade do corpo pedagógico e estrutura física. O percurso nos desafia, mas há portas e janelas inspirando mudanças.

Seção sindical dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará

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